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terça-feira, 26 de abril de 2011

Fernando Pessoa

Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.

Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Vinícius de Moraes 


Natureza Morta (José Gomide)

A cesta cheia de frutas sobre a mesa
Maçãs, bananas, limões, mexericas.
Vermelho, amarelo, verde, laranja.

Apanho uma mexerica
Rasgo sua casca
Desnudo sua entranha
Laranja, polpa granulada.

Desfaço seus gomos
Duros, úmidos, grandes
Saboreio o suco laranja
Da mexerica que atiça
Meu senso gustativo.

No ar o cheiro de sua casca…
Inda voa, ainda paira
Misturando-se com seu sabor
Doce, azedo, passado.

No último gomo...
O gosto não é mais o mesmo
O cheiro esvanece a esmo
Redondo, não é mais o pomo.

Restam as sementes
Planta-las-ei?

Seu destino natural é...
Fecundar a terra, nascer um pé
De laranjas mexericas
Que nas línguas se aticem,
Que nas feiras se vendem,
Que nestas linhas se prendem
Nos versos , meus, sem cor.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O PRIMEIRO BEIJO

    Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.

(In "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Tenho uma janela que dá para o mar

Tenho uma janela
que dá para o mar
barcos a sair
barcos a entrar
tenho uma janela
que dá para o mar
sonhos a partir
sonhos a chegar
tenho uma janela
que dá para o mar (...)
tenho uma janela
que seria bela
seria mais bela
que qualquer janela
janela fosse ela
de Lua ou de estrela
ou qualquer janela
de qualquer escola
se não fosse aquele
pescador já velho
a pedir esmola
barcos a sair
barcos a entrar
chego-me à janela
e não vejo o mar.

Mário Crispim
Colóquio

terça-feira, 12 de abril de 2011

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.


Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Estou Aprendendo

Estou aprendendo que não importa quanto eu me importe, algumas pessoas simplesmente não se importam.
Estou aprendendo que não importa quanto boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isto.
Estou aprendendo que falar pode aliviar dores emocionais.
Estou aprendendo que levam anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la.
Estou aprendendo que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.
Estou aprendendo que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pela vida inteira.
Estou aprendendo que o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você representa para vida e para você.
Estou aprendendo que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.
Estou aprendendo que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam.
Estou aprendendo que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa ...
Estou aprendendo que devemos deixar sempre as pessoas que amamos com palavras amorosas. Pode ser a última vez que a vejamos.
Estou aprendendo que as circunstâncias e o ambiente têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.
Estou aprendendo que não devemos nos comparar com os outros, mas com o melhor que podemos fazer.
Estou aprendendo que não importa até onde já cheguei, mas para onde estou indo.
Estou aprendendo que não importa quanto delicado e frágil seja algo, sempre existem dois lados.
Estou aprendendo que leva muito tempo para eu me tornar à pessoa que quero ser.
Estou aprendendo que se pode ir mais longe depois de pensar que não pode mais.
Estou aprendendo que ou você controla seus atos ou eles o controlarão.
Estou aprendendo que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.
Estou aprendendo que paciência requer muita prática.
Estou aprendendo que existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar isso.
Estou aprendendo que meu melhor amigo e eu podemos fazer qualquer coisa, ou nada,e termos bons momentos juntos.
Estou aprendendo que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai, é uma das poucas que lhe ajudam a levantar-se.
Estou aprendendo que há mais dos meus pais em mim do que eu supunha.
Estou aprendendo que quando estou com raiva, tenho direito de estar com raiva. Mas isto não me dá o direito de ser cruel.
Estou aprendendo que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiências que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.
Estou aprendendo que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens ou fora de cogitação. Poucas coisas são mais humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.
Estou aprendendo que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém. Algumas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo.
Estou aprendendo que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido; o mundo não pára pra que você o conserte.